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Filhos da Pátria

  • puxadinhoblog
  • 23 de fev. de 2014
  • 4 min de leitura

Eu, José Lima Barreto, 45 anos. Casado, pai e um dia: 15 de setembro de 2012. Poderia contar-lhes a história da minha vida, ou minhas realizações pessoais, porém a ocasião não permite congratulações ou felicitações.


Começo minha história a partir de uma sexta-feira, 15 de setembro: um dia marcante e definitivo em minha vida. Era uma manhã rotineira, com o sol ainda envergonhado no momento de meu levantar, pontualmente às 5h30min. Como de costume, fui até o quarto de meu único filho, William, que o chamo, carinhosamente, Will. Pois bem, banhei-me enquanto minha esposa, Maria do Rosário, fazia o café. Meu filho arrumava-se para a escola, mas, essencialmente neste dia, iria acompanhar-me ao serviço. Sim, somos uma humilde família de um trabalhador braçal em uma construção.


Após o ritual matinal, saímos eu e Will a caminho do meu trabalho. Viemos conversando sobre o seu futuro, pois meu garoto fazia aniversário na segunda. 17 anos, como o tempo passa! Falávamos de meu desejo de vê-lo Doutor, já que nossa realidade na periferia não era das melhores e eu, como todo bom pai, quero o melhor para meu filho.


Bom, ao chegarmos, rapidamente vestimo-nos e começamos a batalha. Ah, como era maravilhoso a sensação de ter meu Will sorridente entre as paredes concretizadas, falando de suas desventuras, mulheres, amigos, futebol... Ah futebol! Como éramos apaixonados pelo Fluminense, nosso Flu! Aliás, para completar a alegria de meu garoto, resolvi presenteá-lo com ingressos para o clássico Flamengo versus Fluminense, naquela mesma tarde de sexta-feira. Ah Will, seu rosto de satisfação era impagável, tanto que não pude segurá-lo comigo e deixei-o ir encontrar com seus amigos. Por quê? Ainda me pergunto.


O sol caía. Aquele céu azul e cristalino, limpo de um atípico dia de inverno nos deixava, e a escuridão da noite subia. Uma noite sem estrelas, sem brilho, sem lua. Sabia que era hora de voltar ao meu lar, onde minha esposa e filho aguardavam com ansiedade para nosso jantar. É, por pior que fosse nossa condição financeira, privilegiávamos a união na família.


Ao chegar em casa, beirando 9h30min da noite, assustei-me a não ver meu filho em casa, porém resolvi relaxar, com um bom banho, para livrar-me de toda a sujeira do dia, na esperança que, quando saísse, meu filho estaria esperando-me. Porém, isso não aconteceu.


Ao sair de meu banho, ainda sem saber de nada, fui até a sala ver meu filho, mas, como já sabem, ele não estava lá. Desesperei-me! Falei a Maria do Rosário: “o que pode ter acontecido com ele?”, porém ela estava pior que eu. Tomei as rédeas da situação e liguei para o celular de William. Seu celular chamava, chamava e ninguém atendia. Não desisti, até que uma voz grossa atendeu, dizendo: “O dono desse telefone já era”. E desligou.


Maria do Rosário escutou, ela não sabia o que fazer. Andava de lá para cá, chorava, chorava muito e não dizia uma palavra. Um silêncio estendeu-se. Eram minhas vozes saltando de minha cabeça: “Como já era? O que isso quer dizer? Meu filho... Está morto? Não pode ser! Meu menino, meu garoto, meu moleque! Mas que vida miserável é essa que tira meu bem mais precioso? Eu me esforço todos os dias, naquele sol do meio-dia para sustentar minha família, poder dar um futuro melhor para o meu filho e de repente, ele se vai? Por que o Will? Por que ele não eu? O garoto com uma vida pela frente, com tantas coisas para passar... O que será de mim agora? A razão da minha vida, meu fruto, meu maior orgulho se foi. Eu quero vingança! Ninguém tira meu filho de mim, ninguém! Eu vou até lá, vou até o cativeiro”.


Não pensei duas vezes: sai de casa e chamei meus vizinhos para acompanhar-me. Grandes amigos, nos piores momentos estão ali te apoiando que, em um piscar de olhos, estávamos lá a poucos metros de distância do maldito local. Fomos recebidos a tiros, porém todos atingiram o chão e, claro, isso bastou para que meus companheiros recuassem.


Alertaram-me a voltar, mas eu fui até lá com um único objetivo: ter ao menos o corpo do meu filho de volta. Queria vê-lo pela última vez e velá-lo do modo que merecia. Gritei isso aos bandidos. Os mesmos reagiram de forma fria e, temendo uma repercussão do acontecido, falaram deixar os corpos em uma rodovia ali perto, pontualmente às 5 da manhã.


Não dormi, não consegui. Meu sentimento de desolação era inimaginável! Só queria ver meu filho! Quando o horário combinado foi aproximando-se, logo me apressei a ir para o local, e, dessa vez, devidamente acompanhado com a família dos amigos de Will, que estavam como ou pior que eu.


Andamos pela rodovia. Andei vagarosamente, com a cabeça baixa. Ao ver-me aproximar dos corpos, não sabia se corria para vê-lo ou se chorava mais e mais. Finalmente quando cheguei ao meu filho, não sabia o que fazer! Era desesperador! Em pensar que vi meu filho, vivo, conversando comigo e agora, todo machucado, cortado, com vários membros quebrados... Por quê? Como poderiam ter torturado meu Will? Um garoto que nunca fez mal a ninguém! O que falaria para Maria do Rosário? Ela morreria. Não sei.


Ao retornar a casa, depois de toda a burocracia do IML, havia anoitecido. A cena era minha mulher sendo acalentada pela solidariedade dos vizinhos. Eu não falava, não tinha reação. Só soube chegar em casa e me tranquei no quarto. Escrevi, escrevi e escrevi. Até que tomei uma decisão e comecei a escrever esta carta, que vos falo agora.


Então começo pedindo desculpas a minha amada mulher, Maria do Rosário, que me deu a melhor sensação da minha vida e pôde realizar meu sonho: ser pai. Infelizmente, por questões ainda não desvendadas pelo ser humano, nosso filho se foi, e com ele foi-se toda minha vontade de viver, meu motivo, minha razão, meu sonho. Vale salientar que essa decisão que tomo parece um tanto quanto egoísta de minha parte, mas entenda que não levaria uma mesma vida após este acontecimento.


Acredito que não ficará desamparada, afinal você é jovem e têm seus pais para apoiá-la de todas as formas necessárias. Sem contar nossos queridos vizinhos, que estarão ao seu lado em qualquer dificuldade. Desejo-lhe toda a felicidade e quero que saiba de duas coisas: você sempre foi uma ótima mulher, mãe, esposa dentre tantas outras qualidades. Eu te amo. Amo nosso filho. Amo nossa família. E uma última coisa: Mato-me, pois eu já estava morto.





Por Bárbara Souza

 
 
 

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